A marca italiana Lamborghini fez um evento na cidade de São Paulo nesta semana para anunciar uma nova fase em suas operações e iniciar a venda da série limitada do cupê Huracán Sterrato, uma “máquina do tempo” de R$ 4,4 milhões. O evento teve direito a anúncio do próprio CEO global e presidente da marca, Stephan Winkelmann.
Serão apenas três unidades disponíveis para o público cativo da Lamborghini no Brasil, o que já parece ser bastante, uma vez que o Sterrato foi lançado internacionalmente há quase um ano em série limitada de 1.499 unidades, “totalmente esgotada”, segundo os executivos da marca.
Ou seja: ou a trinca de Sterrato que desembarca no Brasil já está empenhada a clientes definidos, ou foram adquiridas pela representação local para garantir a presença no país e dar tempo para que esses clientes se decidam a assinar o cheque. A grife de esportivos não quis abrir o jogo quanto a esse detalhe.
Origem agro da Lamborghini
Mas por que o Lamborghini Huracán Sterrato é uma “máquina do tempo”? Hora de explicar.
Não é segredo que a Lamborghini Trattori, de maquinários agrícolas, foi a origem dos negócios de Ferruccio Lamborghini, ainda nos anos 1950. A marca só viraria grife de esportivos nos anos 1960, por conta de um desentendimento de Ferruccio com Enzo Ferrari, de quem era cliente.
Ferruccio inclusive dizia, também em provocação, que não precisava competir nas pistas para ter sucesso, só entregar carros que tivessem uma boa performance e não dessem problema. Dupla agulhada na então rival Ferrari com uma única frase.
O Sterrato é uma espécie de homenagem a esse período da Lamborghini. Assim, a marca transforma o cupê com motor V10 e tração integral em uma espécie de superesportivo teoricamente apto a encarar trilhas de terra.
Aventureiros pós-virada do milênio
Mas, aqui para o Brasil, o Sterrato também remete à virada do milênio, época em que a indústria de carros local estava tentando variar o cardápio criando versões de carros comuns com um quê de bugue.
Em 1999, a também italiana Fiat apresentou a perua Palio Adventure, derivada da Weekend, que surgiu em 1997. Mesmo estranha, por ter suspensão elevada e caixas de roda cobertas por adereços plásticos, além de outros penduricalhos, fez sucesso com o público de modo surreal.
A resposta do mercado foi… seguir a mesma trilha. A alemã Volkswagen trouxe o Crossfox em 2004. Era o compacto urbano Fox com um estepe traseiro, saias laterais reforçadas por antracite, quebra-mato que incorporava luzes auxiliares (depois, proibido por lei), rack de teto, pneus todo-terreno e… estepe traseiro pendurado, com capas de proteção coloridas.
Adventure e Crossfox fizeram história no Brasil por ousarem se transformar de carros comuns em aventureiros. Apesar de terem zero aptidão real pra lama, tiveram muito sucesso, deram origem a um novo segmento que rendeu de tudo – até um Toyota Etios Cross – e foram avô e avó dos crossovers/SUVs urbanos que dominam o mercado atual.
Com isso, 20 anos depois dos aventureiros brasileiros, surgem agora superesportivos na mesma pegada, em uma tentativa da indústria premium e de luxo de vender mais e a novos clientes abordando a versatilidade. O Hurracán Sterrato não é o primeiro.
O novo modelo é uma resposta da italiana Lamborghini (que é controlada pela alemã Volkswagen) ao mercado. Antes dele, tivemos o Porsche 911 Dakar (R$ 1,8 milhão) e até o Ford Mustang Mach-E Rally (85 mil euros iniciais, ainda inédito no Brasil, mas na lista de chegada da Ford).
São modelos de valor elevado, muita potência, mas também com apetrechos para se sujar pouco, no caso do Mach-E e talvez deste Lamborghini, ou muito, como é o Porsche baseado nos modelos que encaram provas de rali de fato.
O que o Sterrato tem
Na prática, o Sterrato tem acerto específico de chassi, quase 4,5 cm (dois palmos) mais alto que o do Huracán EVO para raspar menos o assoalho. As rodas enormes de 19 polegadas calçam pneus todo-terreno (oi, Crossfox!) Bridgestone Dueler AT002 do tipo run-flat, medidas 235/40 na dianteira e 285/40 na traseira.
Há ainda caixas de roda, saias laterais, rack de teto para 32 quilos de bagagem. Como o motorzão V10 precisa de respiro mais à frente e as laterais podem estar sujas de terra, há ainda um snorkel no topo da carroceria.
O chassi do Sterrato tem preparação própria para aguentar o tranco. O modelo tem ainda modos de condução especiais: Strada (olha o nome aí), Sport (típico do Huracán) e o inédito Rally.
Mas e os faróis auxiliares? Em 2004, Crossfox, Idea Adventure, C3 Aircross e similares usavam o tal quebra-mato com luzes extras, mas isso não serve mais para o Brasil. Então, a unidade que chegou primeiro ao país não traz as luzes no topo do capô – mas elas podem ser vistas na última foto da galeria no início desta reportagem.
O motor é o conhecido V10, de 5,2 litros, rendendo 610 cv e com 57,1 kgfm de torque, que sempre empurrou o Huracán e também o primo-irmão dele, o já aposentado Audi R8. Só que ele é atrasado pela proposta de rali leve: o 0-100 km/h é feito pelo Sterrato em 3,4 segundos, meio segundo mais lento que o Huracán Evo. A máxima é de 260 km/h.
No interior da cabine, mistura de fibra de carbono, alumínio e titânio, Alcantara no revestimento de bancos e painel, além de som premium. E, claro, qualquer Lamborghini pode ser customizado pelo comprador, que então tem de esperar até um ano pela entrega.
Mas, ao que parece, o Sterrato já será pré-configurado pela Lamborghini, numa tentativa de garantir o “estoque” e antecipar a entrega deste modelo limitado.
Só fica a questão no ar: a própria Lamborghini gosta de relembra sua origem agro, bem como ressaltar que criou o LM002 em 1986, um utilitário de fato, com ampla capacidade de pegar lama e terra. Mas quem vai pagar quase R$ 4,5 milhões para jogar o Sterrato na lama? E, se alguém o fizesse, ele resistiria?
Assim como máquinas do tempo são hipotéticas e, provavelmente, irreais, a verdadeira função do Sterrato (além de encerrar a linha do Huracán atual) talvez nunca seja descoberta.
Fonte: CNN Brasil Auto